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sábado, 12 de junho de 2010

GHOSTWATCH

o medo ao vivo


GHOSTWATCH  teve a "honra" de ser o primeiro programa de TV a ser citado no British Medical Journal: um relato de psiquiatras infantis detalhava como duas crianças foram tão afetadas pelo programa que desenvolveram uma síndrome de stress pós-traumático, condição normalmente associada a ex-combatentes de guerra ou vítimas de seqüestros. Pouco depois, o The Times falaria em no mínimo seis crianças traumatizadas. 

Depois de tanta crítica e polêmica, a sóbria BBC acabou por suspender Ghostwatch. O programa nunca foi reprisado, e apenas há pouco foi lançado em DVD. Isto porque, ao contrário da crítica, muitos telespectadores o adoraram. Tudo isto foi muito antes de A Bruxa de Blair, ou dos reality shows atuais.

Tão cedo quanto nos anos 50, quando a TV era necessariamente ao vivo, uma série de ficção científica e terror, Quatermass (antecessora mais venerável de séries como Arquivo X), já havia transmitido seu último episódio misturando ficção e realidade. A maior parte das histórias de terror mais efetivas tinham um ar de pseudo-documentário, indo de Drácula aos trabalhos de Edgar Allan Poe. 

Em uma noite de sábado no final de outubro de 1992, a BBC 1 inglesa veiculava no horário nobre o programa Ghostwatch – que se tornaria um fenômeno televisivo, em vários sentidos. Ancorado por repórteres bem conhecidos dos britânicos, como Michael Parkinson e Sarah Greene, procurava ser uma investigação ao vivo do sobrenatural em um formato então pioneiro, similar ao utilizado no Brasil hoje em programas populares como Cidade Alerta e Brasil Urgente.

Completo com um link ao vivo de uma casa supostamente mal-assombrada, com o recebimento de ligações de telespectadores e discussão do caso em estúdio com parapsicólogos, a história de uma família perturbada foi exposta. Pam Early, mãe solteira irlandesa vivendo com suas duas filhas, teria começado a presenciar estranhos fenômenos poltergeist em sua casa desde finais do ano anterior, incluindo móveis voando e barulhos misteriosos. Mas as coisas não eram tão leves assim: inexplicáveis arranhões passaram a surgir no corpo da garota mais velha, Suzanne. A família não estava nada feliz com os acontecimentos, e tudo era mostrado ao vivo, intercalado com discussão e apresentação no estúdio.

As coisas logo ficaram agitadas quando os barulhos em questão foram ouvidos pela equipe de repórteres na casa. Infelizmente, descobriram que era uma fraude – uma das garotas estava batendo no encanamento. Foi no anti-clímax porém, com todos nervosos com a embaraçosa situação, que coisas realmente estranhas começaram a ocorrer.
Uma mancha surgiu no carpete, e barulhos – de gatos – emanaram das paredes. O antigo morador havia se enforcado, e ele possuía doze gatos. Com seu suicídio os animais de estimação ficaram presos dentro da casa, e sem comida, teriam se alimentado do corpo do dono. Um telespectador ligava para o estúdio avisando que havia visto rapidamente em uma cena transmitida uma bizarra figura humana ao fundo. Surgiram então todo tipo de marcas pelo corpo das pobres garotas, parecidos com arranhões de gatos, e elas começaram a falar com vozes estranhas. Os assustadores miados de gatos ficavam cada vez mais altos, as garotas passaram a gritar, e todos fugiram da casa – exceto a repórter Sarah Greene com seu câmera, corajosamente indo atrás de uma das meninas ainda no sótão.

Um especialista no estúdio logo sugeriu uma explicação terrível para o que estava ocorrendo: transmitindo ao vivo de um local mal-assombrado, com milhões de telespectadores concentrados, foi criada uma "sessão espírita em escala nacional". Enormes energias psíquicas haviam sido canalizadas, e estavam agora agindo descontroladas – não só na própria casa, como em todo o país, com problemas técnicos ocorrendo no próprio estúdio. De volta a casa, a repórter finalmente encontra a garota dentro de um armário no escuro, e os barulhos diminuem. Quando ela entra para acalmá-la, a porta subitamente se fecha atrás dela, que tenta desesperadamente sair. Logo o sinal cai, para não voltar mais.

No estúdio, as coisas também vão de mal a pior. Fortes ventos abalam tudo, e até miados de gatos surgem. Por vezes, na escuridão e caos, parece surgir lá também a imagem do fantasma desfigurado. E então, o apresentador Mike Parkinson finalmente consegue falar outra vez com calma, ainda que tudo ainda estivesse muito escuro. Apenas para também ser possuído pelo malicioso espírito e começar a recitar uma cantiga infantil, em meio a… miados. Fim.

Ghostwatch realmente foi ao ar, embora é claro, fosse na verdade um drama de ficção apresentado em 31 de outubro, noite de Halloween, o dia das bruxas. Ecoando a famosa transmissão radiofônica de Guerra dos Mundos por Orson Welles, devia ser encarado por qualquer telespectador sensato como uma travessura ("doces ou travessuras?"). À semelhança da transmissão de Welles, tanto no começo como no final havia a apresentação da história como ficção – aqueles que assistiram Ghostwatch desde o início puderam ver o logotipo de que era parte de uma série de dramas ficcionais da BBC, e os que pararam para ver os créditos ao final (se não achassem estranho que um programa ao vivo em meio ao caos sobrenatural apresentasse créditos ao fim e terminasse no horário programado, às 9:30 da noite) poderiam ler quem era o roteirista do programa que acabavam de assistir, o escritor Stephen Volk. 



No entanto, com mais de 11 milhões de telespectadores para uma boa história de terror sustentada por efeitos realísticos e apresentadores de credibilidade associados a notícias reais, não foram tão poucos os que pensaram que estava tudo acontecendo de fato. As linhas telefônicas da BBC ficaram congestionadas e as pessoas também ligavam assustadas para a polícia. No dia seguinte os jornais ingleses já exclamavam manchetes indignadas com o furor público causado pelo "programa irresponsável". Pouco depois, o programa seria mesmo acusado de levar ao suicídio de um jovem que o havia assistido. Mas apesar das acusações da abalada mãe, o inquérito policial nem mesmo mencionou Ghostwatch. 






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