Tim O’Reilly criador dos termos “Web 2.0″. fala ao site Spiegel Online em entrevista sobre os negócios atribuidos às comunidades cobaborativas , softwares livres e o eminente risco da monocultura;
Spiegel Online - Hoje em dia, o termo Web 2.0 parece ser usado sobretudo por pessoas fascinadas com a idéia de ganhar dinheiro com o trabalho não remunerado de outras pessoas…
O’Reilly - Esse é um dos motivos que me mantêm comprometido com a idéia. Muita gente está tentando degradar o termo e transformá-lo em outra versão da bolha das ponto.com original. Não me canso de falar: “Não, não, não, há algo muito importante acontecendo aqui!”. Diversas idéias envolvidas na minha concepção de Web 2.0 são consideravelmente difíceis. É ótimo vê-los compreendendo, gradativamente. Até que as pessoas se dão conta: “Oh, não se tratam apenas de mashups [combinação de serviços on-line], mas é na verdade uma idéia de aproveitar a inteligência coletiva”. As pessoas estão começando a entender.
Spiegel Online – No entanto, muitas pessoas estão empolgadas com a possibilidade de fazer outras pessoas trabalharem sem pagá-las. Não seria um problema ético? Por exemplo, o serviço de banco de dados de músicas Gracenote baseia-se em informações originalmente fornecidas pelos usuários. Agora virou um negócio e há quem esteja ganhando dinheiro com ele.
O’Reilly - O Linux é um sistema operacional construído por seus usuários e as pessoas ganham dinheiro com ele. Deve haver um intercâmbio de valores — não necessariamente dinheiro. As comunidades de software livre geram bastante valor. Não apenas por meio de empresas como a Red Hat, que vendem distribuições do Linux, mas também por meio do sucesso de empresas como Google, Yahoo ou Amazon, todas usuárias do software Linux. Os programadores é que tornaram isso possível. Eles ficaram ressentidos? Não. O que ganharam com isso? Reputação e melhores trabalhos. Se você é um programador de software livre, seu currículo é o trabalho que você realizou.
Spiegel Online - Mas isso não se aplica a muitos dos que contribuem com o Gracenote…
O’Reilly - As pessoas também reconhecem que, se você oferecer uma pequena contribuição para um trabalho coletivo, não precisa necessariamente ser pago. Quando coloco um CD para tocar e vejo que ele possui faixas não reconhecidas, eu as envio para o Gracenote. Não me preocupo com o fato de que de que ganharão dinheiro com isso, pois estão fornecendo um serviço valioso.
Spiegel Online - Outra frase de efeito é a da “sabedoria das multidões”. Será que não existe o risco de que grandes grupos de pessoas sejam mais burros, e não mais inteligentes do que indivíduos?
O’Reilly - Depende muito de como a técnica é usada. Se for um simples algoritmo de votação, sim. Sites como o digg.com, que permitem que as pessoas sugiram notícias, são facilmente feitos de refém. Mas o Google possui um tipo de elemento de “sabedoria das multidões” — ele leva em consideração quantos outros sites conectam-se a uma determinada página. Ao mesmo tempo, ainda há pessoas questionando a qualidade dos resultados. Vejamos um exemplo interessante: existe um parque nacional no Alaska chamado Glacier Bay National Park. O Google pensou: “Estamos dando o resultado errado. As pessoas digitam Glacier Bay no campo de busca, e retornamos a elas o nome de uma fabricante de vasos sanitários”. Eles estudaram os resultados e foi então que perceberam que na verdade havia mais pessoas procurando pela empresa de privadas Glacier Bay. Então o raciocínio humano de fato estava errado e o sistema foi mais inteligente.
Spiegel Online - Mas não existem grandes multidões incontroláveis, talvez até perigosas?
O’Reilly - O spam é um exemplo da insanidade das multidões. Mas pode também ser combatido pela sabedoria das multidões. As pessoas conseguem identificar o spam e essa se tornou uma técnica anti-spam bastante poderosa. Nós ingressaremos num mundo que não será apenas de pessoas expressando opiniões. Na realidade, é um mundo sobre concentração de dados distribuídos e inteligência em tempo real.
Spiegel Online - Nos últimos tempos fala-se muito sobre as comunidades on-line como a Wikipedia e o site de notícias digg, que possui uma comunidade bastante antenada, conhecedora de tecnologia que traz à tona coisas novas e muito interessantes. Mas se o digg fosse assolado pelos internautas, em pouco tempo acabaria. Existe alguma forma de controlar esse tipo de desdobramento?
O’Reilly - Analise a história das comunidades de software livre. A história delas é bem longa, sendo assim um bom exemplo. Elas possuem uma abordagem em camadas e a Wikipedia copiou muito disso, o que explica seu ótimo trabalho. Qualquer pessoa pode fazer uma sugestão, enviar um relatório de falhas, enviar uma correção. Mas isso não é usado a menos que alguém em algum círculo interno diga: “Essa é boa, vou aplicar”. E você só é convidado a fazer parte desse círculo interno depois de ter enviado um número suficiente de atualizações consideradas úteis.
Spiegel Online - Então é necessário que exista um mecanismo de exclusão e uma estrutura hierárquica?
O’Reilly - Sim. Assim surgem círculos menores sucessivamente. Chega ao ponto em que o criador do Linux, Linus Torvalds, nem sequer fala com você a menos que tenha referência sua através de alguém em quem ele confia. Construímos essas redes de confiança em projetos de software aberto que ajudam a gerenciar esse processo de participação das multidões. O digg, por exemplo, terá de descobrir isso.
Spiegel Online - Jason Calacanis, que até pouco tempo dirigia a divisão do Netscape do AOL, basicamente copiou o digg. Mas ele começou pagando pessoas para fazer o mesmo que elas faziam de graça: vasculhar histórias e fazer os links a elas. Esse é um bom método de assegurar a qualidade de sua comunidade?
O’Reilly - Talvez. A meu ver, voluntários apaixonados na verdade valem mais do que pessoas pagas. Se você consegui-los, melhor. Se não, pagar as pessoas é uma boa segunda opção. Mas se você olhar os resultados, diria que não funciona tão bem.
Spiegel Online - O desenvolvedor de realidade virtual Jaron Lanier acha que a Wikipedia é perigosa, pois cria uma monocultura de conhecimento e pode ser usada para, por exemplo, difamar pessoas. Ele tem razão?
O’Reilly - Tudo pode ser mal utilizado. De modo geral, a Wikipedia é um recurso útil. Já houve sumiço de entradas? Sem dúvida. Pessoas foram difamadas? Sem dúvida. Mas a Wikipedia desenvolveu alguns mecanismos internos para tentar lidar com isso. Não são perfeitos, mas são infinitamente melhores do que nosso sistema político no momento, no que diz respeito a fazer às coisas funcionarem corretamente. Acho que as pessoas mantêm a internet em padrões altos demais quando fazem perguntas assim. Gosto sempre de citar para as pessoas uma famosa frase da Lei de Sturgeon. Theodore Sturgeon foi um escritor de ficção científica e alguém certa vez comentou que 95% da ficção científica era porcaria. Ele então respondeu: “95% de tudo é porcaria!”. E a Wikipedia é boa demais! Lá é possível obter uma explicação concisa e muito bem elaborada de praticamente tudo.
Spiegel Online - Mas não há uma parcela de verdade na idéia do comediante Stephen Colberts de “Wikimania?”. De que se algo é tão bom, acaba tornando-se um padrão universal que ninguém mais questiona, ainda que contenha erros?
O’Reilly - Leia a história! Há uma versão oficial de quase tudo e que deixa muitos fatos de lado. Está errado. Se isso vale para a Wikipedia, vale na mesma proporção para um livro de escola. A Wikipedia, de modo geral, tem menos probabilidade de ser tendenciosa do que um livro didático. Tudo que fazemos é uma seleção da realidade. As pessoas esquecem disso? Sem dúvida. Essa é uma grande fonte de desordem em nossas sociedades.
Spiegel Online – [o empresário] Jason Calacanis começou a pagar bloggers e “diggers”, o MySpace e o YouTube estão sendo invadidos por relações públicas e propaganda. Existe um perigo de todo o Web 2.0 ser tomado por profissionais e sua própria versão de realidade?
O’Reilly - Sim e não. A Web 2.0 é um nome que estamos agregando a um longo prazo realmente extenso — tudo está se tornando conectado. A internet está se tornando uma cola que reúne tudo que tocamos. Sim, as pessoas irão invadir isso e tentar se aproveitar. Há pessoas aprendendo como operar e gerenciar os efeitos da rede. Mas no fim seria como dizer: “Alguém conseguiria construir uma companhia aérea melhor sendo apenas o melhor em relações públicas?”. Richard Branson pode fundar uma companhia aérea cujo diferencial seja relações públicas. Mas ainda assim ele precisa entregar o produto final. Não se pode ter relações públicas e não ser capaz de oferecer vôos. Na internet, o serviço ainda precisa funcionar. É possível ganhar vantagem sendo bom em marketing, mas isso não garante controle.
Spiegel Online - Seu nome está intimamente ligado a duas das frases de efeito de nossa época: “Software Livre” e “Web 2.0″. Qual será a próxima palavra da moda que você vai inventar?
O’Reilly - A próxima novidade significativa em que estamos trabalhando está numa nova revista chamada “Make”. Nosso foco principal está em como a computação começa a interagir com o mundo físico, como a manufatura personalizada. Observamos hoje uma enorme quantidade de atividade de hackers ligada à fabricação de coisas. Há muito hardware descartável agora. As pessoas já estão na terceira ou quarta câmera digital e o que fazem com as antigas? Elas podem reutilizá-las. Temos também todos os tipos de dispositivos de manufatura, como ferramentas de corte a laser e impressoras 3D. Tudo isso a quase o mesmo preço das máquinas de composição no início da revolução editorial por desktop.
Entrevista publicada originalmente pelo site : de Christian Stöcker, tradução de Claudia Freire
VEJA TAMBEM JORGE PONTUAL EM ENTREVISTA COM O JORNALISTA ANDREW KEENM CRÍTICO DA WEB 2.0
Nenhum comentário:
Postar um comentário